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quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Entrevista a Vera Antunes, uma mulher com muita pedalada

Texto: João Carlos Lopes / Foto: DR 

“Em cima da bicicleta estamos a viver num mundo à parte”

Tem 34 anos mas apaixonou-se pelo ciclismo, mais propriamente o BTT, num evento solidário. A partir daí nunca mais parou. Já percorreu Portugal de lés-a-lés, e viveu grandes aventuras em Espanha e França. Em seis anos tornou-se a mulher com mais pedalada de Fafe, temida e respeitada nos trilhos por onde passa onde mostra destreza, habilidade e mesmo muita pedalada para ultrapassar qualquer obstáculo. Esta administrativa já não passa sem a bicicleta a qual a levou a conhecer cantos e recantos, lhe provoca desafios e funciona como uma terapia. Vera Antunes é um exemplo de dedicação e de paixão pelas bicicletas. Já fez tantos milhares de quilómetros que até já lhe perdeu a conta. Pedalar dá-lhe uma sensação de liberdade e proporcionou-lhe amizades sem as quais já não pode viver. 

Com que idade ganhou o gosto pelas bicicletas? 

A minha paixão pelas bicicletas começou em Fevereiro de 2010, tinha eu 28 anos, quando em Fafe se realizou o passeio solidário Abraço ao Bruno e eu fui pela primeira vez para o monte pedalar. A partir desse dia nunca mais parei.

É essencialmente uma amante das bicicletas de Montanha? 

Sim, sem qualquer dúvida, o meu território natural são os trilhos e as montanhas.

Porque quis experimentar as bicicletas de estrada? 

Por influência dos amigos e por curiosidade, embora a minha experiência nas bicicletas de estrada se tenha limitado a duas pequenas voltinhas, por isso talvez precise de fazer outro tipo de teste.

Em qual das duas se sente mais à vontade?

 Como já disse, sem dúvida nenhuma na bicicleta de Montanha. Pela falta de km e de experiência na de estrada, mas também porque o BTT é a minha grande paixão.

Onde já a levou a sua bicicleta? 

Bem… já a levei muito longe e tenho grandes planos para continuar a conhecer o mundo com ela. Por enquanto posso dizer que já pedalei um pouco por todo o nosso país e que também já fiz muitos km e conheci muitas cidades Espanholas com ela.

FOTO: Nelson Pereira
Tem noção de quantos quilómetros já fez? 

É impossível para mim fazer uma contagem, já lá vão mais de 6 anos, quase 7 a pedalar ininterruptamente, com passeios, maratonas, treinos, longas distâncias, grandes aventuras e grandes viagens pelo meio.

Qual a distância mais longa que percorreu de uma só vez? 

A distância mais longa que percorri foi O Caminho Francês de Santiago. Pedalei de Saint-Jean-Pied-de-Port até Santiago de Compostela e com continuação até Finisterra. Partimos de França e atravessamos toda a Espanha, até ao cabo onde “acaba o mundo”. No final dessa viagem tinha 1000 km no contador e muitas histórias para contar. 

Qual o sítio mais bonito que a sua bicicleta já a fez visitar? 

É difícil fazer uma seleção, são tantos os sítios magníficos que vejo com a minha bicicleta e que de outra forma, provavelmente não iria conhecer, porque o que se vê numa visita de carro a um local não é igual ao que se vê a pedalar. Mas, e ainda acerca do Caminho Francês de Santiago, será para mim impossível esquecer os Pirenéus e a sensação de os subir a pedalar. Posso também falar, mais recentemente de uma ida ao Alentejo para pedalar em Monsaraz, local que não conhecia e pelo qual me apaixonei. 

Andar de bicicleta é uma aventura. De que aventura se recorda mais? 

Andar de bicicleta é realmente uma aventura e recordo cada uma delas com muito carinho, até porque tenho apontamentos sobre todas, de forma a não esquecer nada. Hoje posso falar das viagens mais recentes, feitas este ano e que me marcaram muito porque fui eu a organizar as viagens e no fim correu tudo tão bem que não há como não ficar com um sentimento de missão cumprida, em todos os sentidos. A ida a Fátima pelo Caminho de Santiago em Abril, onde unimos Fafe a Fátima em mais de 300 km de Caminho, com um grupo fantástico e por trilhos completamente novos para todos, uma vez que O Caminho em Portugal ainda está muito inexplorado. E também sobre a ida e volta a Santiago de Compostela, em Junho, fomos pelo Caminho Português da Costa, 17 pessoas, e regressamos pelo Caminho Português Central, 6 pessoas, 5 de nós fizeram o trajeto completo que totalizou 545 km e mais de 7700 metros de acumulado de subidas em 5 dias. Esta viagem será inesquecível porque saímos de casa a pedalar e regressamos a casa a pedalar, em autonomia total e com um grande espírito de companheirismo, amizade e aventura.

Já apanhou algum susto em cima da bicicleta?
FOTO: Daniel Martins

 Sim, penso que isso é inevitável. Já dei algumas quedas, felizmente nada de muito grave e nada que me provocasse lesões que me obrigassem a parar. Já fui atacada por cães, mas consegui escapar ilesa. Mas o que realmente me assusta são os carros e a falta de respeito para com os ciclistas que ainda existe nas nossas estradas. 

Como vêm os homens uma mulher com tanta pedalada? 

Boa pergunta. Alguns ficam um pouco chateados quando passo por eles, principalmente porque gosto de brincar e de os picar, mas a maior parte olha para mim com admiração, aliás, fazem questão de o dizer. 

Há mais mulheres em Fafe que nutrem o mesmo gosto com a mesma intensidade? Sim, não somos muitas, mas há mais mulheres apaixonadas pelas pedaladas em Fafe. Prova disso é que nas últimas viagens que fiz já consegui reunir três e quatro mulheres, o que já é uma percentagem muito boa para um grupo. A pedalar regularmente somos uma meia dúzia, talvez um pouco mais, uma vez que não conheço bem as mulheres que pedalam em estrada, só as de BTT, mas penso que este número tem tendência a crescer, a nossa pista tem cada vez mais meninas a começar a dar as primeiras pedaladas, espero que algumas delas fiquem tão apaixonadas como nós.

Costuma fazer muitas clássicas? 

Não, mas sonho em comprar uma bicicleta clássica e quem sabe depois disso possa fazer muitas mais.

Acha que o nosso país está preparado para o boom de ciclistas dos últimos anos? 

Sim, o nosso país está preparado para ter cada vez mais apaixonados pelas bicicletas, há espaço para todos e quantos mais formos mais fácil será mudar as mentalidades e as atitudes dos automobilistas. Em relação ao BTT, participo em maratonas com mais de 3000 participantes na linha de partida, isso é a prova de que mesmo na montanha, com uma boa organização, tudo é possível.

Fazem falta mais ciclovias? 

As ciclovias nunca são demais, são uma forma fantástica de conhecer locais e podem ser facilmente incluídas em viagens de longa distância, penso que Portugal está no bom caminho em relação a isso, assim como a Europa, que daqui a alguns anos estará ligada por ciclovias com milhares de km, da minha parte, já começo a fazer planos para a reforma.

A pista Fafe-Guimarães merece-lhe algum reparo? 

A nossa pista é muito boa e está muito bem tratada, o único reparo que merece é a falta de civismo das pessoas que não a sabem usar, de parte a parte, porque sei que há ciclistas que nem sempre cumprem as regras, mas também dos caminhantes que ainda não circulam pelo lado correto, que o fazem em aglomerado, que passeiam cães sem trela e que deixam até os filhos, de forma inconsciente, brincar e atravessar a pista sem qualquer tipo de cuidados com os ciclistas, que por vezes não se conseguem desviar atempadamente. 

Já lhe passou pela cabeça fazer um grande evento de BTT só para mulheres? 

Sim, há uns anos atrás conseguimos reunir algumas mulheres cá de Fafe e fazer um pequeno passeio de BTT que designamos de Iniciação aos maus caminhos. Mas organizar um grande evento ou uma grande aventura não está fora de questão para mim, até porque entretanto fiz amigas que pedalam um pouco por todo o país e seria muito engraçado conseguir reunir todas elas.

O que recomenda às mulheres que têm receio de ir para a estrada como Você?

Que experimentem, eu acho que a primeira pedalada é o mais difícil, depois disso tudo se descomplica. 

O que sente quando anda de bicicleta?

 Bem, posso dizer que pedalar fez de mim uma pessoa diferente. Fez-me conhecer pessoas que de outra forma não conheceria e sem as quais já não consigo imaginar a minha vida, porque já somos uma família. Há dias em que pedalar é também uma terapia, porque em cima da bicicleta estamos a viver num mundo à parte e todos os problemas do nosso dia-a-dia desaparecem, nem que seja por umas horas. Sobre isto poderia dizer muito, mas resumindo, e acima de tudo, pedalar fez-me gostar mais de mim e proporciona-me sempre uma sensação incrível de paixão e de liberdade.


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